domingo, 2 de maio de 2010

Capítulo X

-Deixa-me tocar-te.
-Afasta-te.-rugi enfurecido com as palavras trémulas que culminavam dos seus lábios, produzindo estalidos desconfortáveis, quase que, aliciantes, agoniantes.
Empalideceu com temor, olhou-me perplexa, conseguindo atenuar a sua reacção, magoara-a sabia-o bem.
-É incompreensível, permaneces indecifrável, intocável.O que se passa afinal?-disse Arthemesia franzindo a testa com delicadez.
-Desafio-te a ficares, fica.Eu não estarei aqui para lidar com palermices.
-Palermices?A que te referes? Por favor, ficas, vais, regressas tudo de rompante sem avisos...
-Nunca te prometi explicações, crês que és merecedora das tais explicações que constantemente remetes.Disse-te com todas as letras para não esperares demasiado, não criares as ilusões ridículas.És apenas mais uma mulher, mais uma cara bonita.Nada mais meu bem.
Trevas, senti-as alcançar o ar singelo e escasso.Os olhos incandescentes ruminavam, cintilavam com pureza e mágoa, como se a alma estivesse prestes a transbordar, e o controlo se esvaiasse em mil lágrimas.Fechei o punho, afetou-me.Por mais que a tentasse afastar, por mais ódio que sentisse, não conseguia apagar o resquício de dor ténue que me afagava com ternura.O meu instinto murmurava-me, latia com fervor.Queria agarra-la, trazê-la para perto de mim, sentir-lhe o perfume dos cabelos pretos, tocar-lhe na pele clara e translúcida.Ansiava pela energia, somente a energia, somente o poder de tocar no meu cálice de fogo ambulante, o prodígio ofegante que delirava nos meus pesadelos.
-Certo. . .já..a.a.a perceb..ii é. é. é evi.de..te.-revirando os olhos para uma jarra atrás de mim, sabia-a decor, era vermelha com forma de ampulheta, uma dimensão considerável.Jasmim, jasmim era a flor presente dentro da ampullheta.
-Óptimo, agora vou ausentar-me durante uns dias.Até lá, espero que mudes esta atmosfera desagradável.-Aproximei-me com cautela, Arthemesia limitava-se a estar parada, inerte, como uma estátua pétrea no centro da sala.Cheguei.Estava tão perto, o meu fôlego quente ardia nas proximidades do seu cabelo, inspirei fundo, e extraí um aroma doce do pescoço.Notei o enrubescimento do rosto de Arthemesia, o pouco à vontade que envergava, senti uma vez mais que fechou os olhos com desilusão eminente.
Ergui-lhe o rosto, de modo a poder cercá-lo com atenção, com vontade ardilosa.Quando o fiz, os belos olhos negros percrutaram os meus, à procura de algum brilho, alguma notoriedade.Nada havia, apenas o vazio, limitei-me a ocultar-lhe a essência.Pelo contrário, os seus olhos, absorviam a cólera que cobria o meu esgar plácido.Aproximei o seu rosto do meu, com um toque suave, enternecedor, o calor que emanava dos seus lábios queimava os meus, que gélidos esculpiam hectares de gelo fundidos perante a chama eterna, o santo gral.Os olhos voltaram a tombar, por entre os meus dedos.Pressionei-a com a minha inexpressão insidiosa, queria sentir, quis senti-la, quero senti-la aproximei os seus lábios quentes aos meus, eram pétalas vermelhas que enterlaçavam os meus lábios frios, evolvendo-os em sinfonias inexpecantantes.Não pude crer, o controlo fugira-me, envolvera-me demasiado no toque suave do beijo, puxei-a para mim com brusquidão, as suas mãos tocaram-me a face, uma vez mais, quentes, férvidas.






J.C

sábado, 17 de abril de 2010

Cap.IV




Agitou-se, contorceu-se melodicamente ao longo do baforar do meu toque letal.A pele luzidia como se de cristais de tratassem, brilhava subtilmente, os olhos escusavam o alerta, escusavam o trémulo despertar, não seria o sofrimento mais agradável na inacessibilidade de um sono permanente?


Creio que sim, não se trata de um favor que lhe estou a prestar, vejo-o como uma forma branca de amenizar a brutalidade da morte.
A sensação de êxtase tomou conta de mim, evoluindo para um estado de puro deleite.A vitalidade da bela rapariga, escasseava-me entre os dedos, a aura lilás obliterava sobre as partículas de ar, de pó e de aroma.Sombrias alcançavam alturas imponentes, para longe do local de crise.
-Simm, simmm- uivei com um latir audível, um latir vociferável e rígido.Estava quase a findar, eu estava a meros segundos de completar a minha transformação plena e definitiva.
Não notei, não me apercebi de como o fizera.
A sua mão de alabastro tocou na minha, a que estava pousada na sua testa, como um trompa de vácuo, absorvendo o poder camuflado num corpo tão frágil.
Abri os olhos sobressaltado, retirei a mão como um estímulo prepotente, afastei-me para trás , para junto da janela.A minha reacção enfurecera-me, porém Arthemesia havia tocado num ponto fraco do meu ser.A minha mente, a minha alma.Como ousara tocar-me, como ousara interromper-me, e fugidiamente, limitar-se a entrar, a ver-me?
Rompi através da janela, adquiri a minha forma animal, e esvoacei através da cidadezita.
Fora completamente inadequado, não consegui liderar com o toque de súplica.
Mas como ?! Ela estava nas minhas mãos, ela era minha e estava prestes a tombar perante os meus pés, eu esvaziá-la-ia, eu far-lhe-ia um favor!Libertá-la-ia de todos os problemas, das crises profundas, dos sentimentos humanos trágicos , das felicidades falsas.
Raios, sentia-me lívido enquanto sobrevoava o limiar da cidade, decidira meramente por acaso atingir as colinas, para além do vale, necessitava de tempo , de fôlego, de manter a cabeça fria, e não deixar , principalmente, que os meus impulsos animais sobressaíssem e denuciacem o meu propósito.
Teria que anunciar o meu falhanço, e não me orgulhava muito da minha atitude.






J.C


sexta-feira, 16 de abril de 2010

Ornatos de Arthemesia Cap.I

Silvam, pequenos e vastos ondulantes rebordos de fluorescência acendem-se na baía fértil.Passo a Passo, a luz incidia sobre as pedras da calçada que giravam inusitadamente em torno de eixos imaginários, latentes durante o Inverno, vivos durante a Primavera.Olhei-os subtilmente, a constância da sua calma prevalecia durante graves fôlegos rústicos de apelo ao luar, pesou-me a espera, virei o olhar.Relanceei dois pardais cinza nos frondosos plátanos, acima de quatro equinócios enclausurados no crepúsculo, cantarolavam melodias incertas com fulgor.O bico reluzia infortúnios e místicas sinceridades, ambos comunicavam com ternura.Pude vê-los como grandes amigos, parcialmente unidos por viagens longínquas em torno de vales e oceanos vorazes de ilusão sincera, a manhã reflectia o azul bruto faiscante no seu leito, no mar.
Instantaneamente desapareceram, prestei atenção aos galhos vazios próximos das abóbadas flutuantes, isto porque a sombra, a penumbra, conferia-lhe plácidas aspirações a movimento, sóbrios e rústicos no temor de mais uma alvorada.Senti-lhes falta.
A avenida permanecia coberta de plátanos sombrios e colossais, cedros, pinhais e murmúrios nocturnos, sim, era pois, uma noite incandescente que banhava os céus cobertos por negros mantos tumultuosos no esplendor de cristais assimétricos, ínfimos e cujo brilho me aquecia o rosto gélido.

Ornatos de Arthemesia Cap.I.


Que esplendorosos olhos negros semelhantes a poços profundos cujos segredos ardiam enterrados nos confins do mundo subterrâneo.
Emanava sabedoria da sua veste negra, com um tom cintilante, como se constituída por ínfimos quartzos róseos e topázios crisálidos incandescentes , que latentes, assobiavam serenatas ao longo das noites frias.Ousei estender a mão para tocar-lhe, aproximei o braço do muro pétreo.Temia que se afastasse de mim, temia perdê-la para o Universo infinito que tudo controlava, que tudo sabia.Estava tão próxima de alcançá-la, a minha pálida mão avançou com sigilo até junto da asa ofuscante.Os meus lábios esboçaram um ténue tranquilo sorriso, cheguei a crer que tolerava a minha presença.Era um avanço!
Por fim inclinei-me ligeiramente para a frente, fiquei descansada por não ser considerada uma 'ameaça'.Neste movimento encostei os joelhos ao muro raso, colocando o corpo em linha recta, afastei-me o mais subtilmente da bela criatura.Mantive o braço imóvel, havia hesitado involuntariamente, sem reacção, sem declive para agir.
-Não penses eternamente.-Anuí para mim mesma. -Não quero que se aperceba do meu receio.
Tomei fôlego e semicerrando os meus olhos conduzi a mão em direcção à sua asa de marfim negro.Abri-os de relance, enrubesci com a forma como me olhava, como se estivesse defronte uma incógnita, um ser cativo entre grades imperceptíveis.
-Não temas. -limitei-me a reforçar, nada me podia impedir de confortá-la.
J.C
Publicada por Joana em 05:43 3 comentários
quinta-feira, 8 de Abril de 2010

Ornatos de Arthemesia.

A noite caiu, por fim.O céu negro estava enfurecido, a coléra pulsava repercutindo-se em leves dós menores, súbitos.Os aromas fluviais escondiam-se por entre muralhas vazias, segui-os lentamente como se dançasse entre cadências quentes e gentis concebedias por fortes perfumes florais.Folhas secas sentiram a força da gravidade enquanto ladeavam segredos cantando refúgios lineares de um audaz sufoco quando atingiam as pedras da calçada.Pouco tempo depois, voltavam novamente a girar, e a subir mais alto, longe do chão e muito acima do oceano.As correntes estavam vorazes, recordo-me do bater profundo e monstruosamente furioso das ondas que salpicavam grandes gotas salgadas de pavor sobre terra firme, o cântico das sereias era inaudível pois, nessa noite a natureza morta induzia o seu forte espírito através de magníficas serenas sonoridades, gentis até, as quais ruminavam na minha mente.Progressivamente em crescendo, aumentavam a intensidade , ladeavam coreografias graciosas com uma coordenação plena.Nessa noite tudo era especial, tudo se tornara vivo.Eu por fim quedei-me num banco velho de praça, cuja tinta verde se soltara ao longo do tempo e os seus bordos arredondados continham mensagens ténues que prevaleciam intemporais, como morais ao vento impressos com belas caligrafias desgastadas.Encostei a cabeça e tudo o que fiz fora olhar para o céu, fi-lo vezes sem conta sentindo a magia, a conecção celeste.Senti, senti...uma bela criatura ao meu lado, quão magnífica, quão entorpecida estara na sua presença.
-Esperara por ti.-balbuciei com o mais leve suspiro.A bela criatura olhou-me penetrantemente. A partir de então estava certa.
Com efeito, procurava-me.

Ornatos de Arthemesia Cap.I

Que esplendorosos olhos negros semelhantes a poços profundos cujos segredos ardiam enterrados nos confins do mundo subterrâneo.
Emanava sabedoria da sua veste negra, com um tom cintilante, como se constituída por ínfimos quartzos róseos e topázios crisálidos incandescentes , que latentes, assobiavam serenatas ao longo das noites frias.Ousei estender a mão para tocar-lhe, aproximei o braço do muro pétreo.Temia que se afastasse de mim, temia perdê-la para o Universo infinito que tudo controlava, que tudo sabia.Estava tão próxima de alcançá-la, a minha pálida mão avançou com sigilo até junto da asa ofuscante.Os meus lábios esboçaram um ténue tranquilo sorriso, cheguei a crer que tolerava a minha presença.Era um avanço!
Por fim inclinei-me ligeiramente para a frente, fiquei descansada por não ser considerada uma 'ameaça'.Neste movimento encostei os joelhos ao muro raso, colocando o corpo em linha recta, afastei-me o mais subtilmente da bela criatura.Mantive o braço imóvel, havia hesitado involuntariamente, sem reacção, sem declive para agir.
-Não penses eternamente.-Anuí para mim mesma. -Não quero que se aperceba do meu receio.
Tomei fôlego e semicerrando os meus olhos conduzi a mão em direcção à sua asa de marfim negro.Abri-os de relance, enrubesci com a forma como me olhava, como se estivesse defronte uma incógnita, um ser cativo entre grades imperceptíveis.
-Não temas. -limitei-me a reforçar, nada me podia impedir de confortá-la.
J.C

Ornatos de Arthemesia Cap.IV.




Que cobardia, o meu corpo constraiu-se , por sinal, gelara da crudelidade dos meus actos.Os quadros impressionaram-me , as pinturas campestres pejadas de vivacidade, de boas energias, de paixão.Tudo findara para a rapariga.
As emoções não me impressionavam de todo, o mu intuito não cambiara.A questão era a seguinte, na luta do mais forte, os mais fracos têm que ser erradicados, visto que, a espécime fraca não deve permanecer intacta como Deus imortalizados em legados erróneos, ilusórios.A meu ver o real deve ser contornado por cores de ceras vivas como o nascer da manhã, e a perda, a derrota, devem ser sublinhadas para sempre, como, irrecuperáveis e inapagáveis defeitos humanos, ligeiros lapsos parvos lamentados e inesquecíveis.
Assim deveria ser, as guerras e batalhas perdidas têm que ser recordadas e vividas, aceites pela Humanidade, não há manobra para deslizes, para pacóvias sensações de felicidade, efémeras, escassas como a evaporação das gotas de orvalho matinais, que saboreiam meros minutos de felicidade ao estarem livres, sendo a liberdade uma percepção limitada da realidade, a liberdade não existe, a manipulação vence a capacidade do homem achar-se disperso e irresponsável.
Nada é assim, nada.
Estava escuro nos confins do seu sepulcro, Arthemesia dormir profundamente, por vezes murmurava vocábulos imperceptíveis, fugiam dos seus refúgios, tentavam alcançar a superfície, desmoronar longe da banalidade da fraqueza.Olhei-a novamente, estudei a expressão serena, que por vezes cambiava, principalmente quando as sobrancelhas arqueavam sem nexo em redor dos enormes olhos amendoados.
Sobretudo quando o fez, senti calafrios, estava irascível, fervilhava de vontade de arrancar-lhe o sopro da vida, que esta desenhava com uma respiração neutra, forçosa.Como queria destruí-la, não por detestá-la, mas por vê-la como um limite, um obstáculo defronte a minha completa criação, a completude.Sôfrego ergui-me sobre as lápides laterais da cama, encostei-lhe a mão fria na testa fervente de Arthemesia, a fonte vital era palpável, fechei os olhos, que trance , que absoluta sensação de poder.Nada se podia comparar, à quente luz jovem da rapariga, as cadência das orlas douradas perpetuantes subjugadas num corpo intrépido.




-Adeus.








J.C

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Ornatos de Arthemesia Cap.IV


A noite por fim chegara, esvoacei pelos caminhos de pedra descalçada, cujas casas laterais estavam em ruínas e os telhados velhos gotejavam do pavor à tempestade.Orientei-me, a concentração era crucial para conseguir encontrá-la, a fragrância dos seus cabelos está ténue, quase que imperceptível, parei.Pousei-me num beiral de parapeito, era alto permitia-me obter uma visão abrangente da cidadezinha, a brisa quente aborrecia-me , a sua passagem neutralizava os aromas que tentava identificar.Profundamente, inspirei com intenção, tal situação impeçava a torna-se enfadonha.
Algo em mim denotou, quiçá um alarme, o meu coração encetou um bater acelerado e lívido, as minhas veias contraíram fazendo pulsar o fluxo sanguíneo com uma velocidade inatingível.
-Encontrei-te. -pensei para mim mesmo, tal 'imprint' significava o óbvio, a rapariga estava por perto, dentro dos meus alcances.
Iniciei o meu voo, desta vez, veloz como a luz no vazio, segui mecânicamente o aroma adocicado dos seus cabelos, subi uma rua estreita com pequenas casitas de madeira.Tal zona era inabitável, parecera-me a mim inóspita, porém os humanos têm diferentes formas de explorar as vertentes.Pobres criaturas, as suas lastimáveis emoções aprisionam-nos em subterfúgios metálicos, onde engaiolados, as presas, sofrem e pedem perdão pelos lapsos cometidos frequentemente.
Não passam de algo com uma natureza demasiado fraca.
Fraca demais.
Aquando a subia, verifiquei uma casa fora do usual.Parecia agradável em tons pastel, predominantemente um cor-de-rosa pastel velho, cujas paredes estavam cobertas por heras verde floresta, enegrecidas pelo negrume do eclipse lunares.Um jardim espectral rodeava o seu perímetro, muitas árvores, muitas flores, arbustos e plantas herbáceas.Janelas colossais destinguiam-na, os vidros polidos reflectiam um ligeiro tom de violeta de um quarto situado no último andar, onde havia uma varanda simples e sóbria.Aproximei-me com alerta, cessei movimento no jardim.Olhei em redor, subitamente vi artemísias, plantas herbáceas silvestres incrivelmente raras, tons fushia e magenta coloriam as pétalas alvas e despigmentadas nas extremidades.
J.C